sábado, 4 de julho de 2009

O Paraíso Perdido do Frei Beto

Onde imperava a ditadura do partido, o povo exigiu democracia; onde se impunha severo controle ideológico, sob aparato policial, o povo pediu liberdade.

"Definitivamente, os modelos de militância que marcaram os setores mais radicais da esquerda por cerca de 70 anos se esgotaram. Figuras como "o bolchevique, o agitador anarquista, o guerrilheiro urbano, o soldado-partido", não mais existirão, pois as regras que regulavam o funcionamento dos coletivos que constituíam essas figuras jurássicas foram derrubadas. Uma dessas regras, a fundamental, foi aquela que a Rainha Vermelha, do livro "Alice no País das Maravilhas", bradava: 'Primeiro a sentença; depois o veredicto". (Carlos Ilich Santos Azambuja)
Após o desmoronamento do socialismo real muitas foram as autocríticas de militantes que perderam o rumo. Reconheça-se, no entanto, que alguns persistem. Uns sugerem um retorno a Marx. Outros afirmam que a culpa foi de Stalin, que distorceu Marx e Lênin.
Entre estes últimos, há também aqueles que, embora sem deixar de acreditar na utopia, fizeram uma autocrítica, como o kamarada que escreveu o texto abaixo, culpando não a doutrina científica, mas aqueles que não souberam colocá-la em prática:

"A derrota da Frente Sandinista, em 1990, nas eleições presidenciais na Nicarágua demonstra que, sem paz e pão, não se pode esperar que o povo reconheça na esquerda a sua vanguarda.

De fato, é a esquerda que, histórica e teoricamente, se tem autodenominado vanguarda, termo pomposo que dá a quem o pronuncia a ilusão de comando. Não fossem tão pretensiosos, talvez preferissem se considerar retaguarda.

Ora, como poderia o povo rejeitar, pelo voto livre e secreto, a sua vanguarda, e escolher a candidata do imperialismo, se a teoria determina que os trabalhadores no poder não podem cometer suicídio de classe? Pode-se resolver o enigma admitindo-se que a teoria está certa, o povo é que anda errado...

O antigo militante, companheiro de lutas e mutirões, virou dirigente e, logo, ocupante de um cargo de destaque na estrutura de poder. Enquanto os jovens partiam para a frente de combate e as mulheres perdiam o alento diante da acelerada desvalorização do córdoba e do crescente aumento dos preços, alguns dirigentes viviam em condições privilegiadas, distantes do trabalho de base e da população.

Se a Nicarágua sandinista fracassou por culpa do imperialismo, o mesmo não se pode dizer a respeito do socialismo europeu. Não houve agressão militar e nem o espectro da fome rondou os lares. Foi a própria população que, saturada da burocracia e fascinada pelo consumismo neoliberal, deu um basta naquele modelo político imposto em decorrência da partilha da Europa, ocorrida no fim da Segunda Guerra. Onde imperava a ditadura do partido, o povo exigiu democracia; onde se impunha severo controle ideológico, sob aparato policial, o povo pediu liberdade.

A desintegração da União Soviética, por sua vez, deixou a nu o socialismo cubano. Em 30 anos, a Revolução não logrou criar uma infra-estrutura mínima de auto-sustentação. A dependência entranhou-se nas próprias estruturas do Estado. E, a exemplo do que ocorreu na Nicarágua, as fronteiras entre o Estado e o partido perderam nitidez.

Não é nada fácil resistir quando se defronta com um apartheid turístico, pelo qual os estrangeiros têm acesso aos mais sofisticados bens de consumo e aos melhores espaços de lazer da ilha, enquanto a população carece de sabão e enfrenta filas intermináveis para comprar um simples sorvete.

Só haverá socialismo se houver socialistas revolucionários. E estes só terão êxito se fortalecerem a organização popular".

A matéria acima não é um relatório da CIA e também não é um texto escrito por exilados cubanos em Miami. Foi escrita por Frei Betto. Está nas páginas 409 a 413 do seu livro "O Paraíso Perdido", editora Geração Editorial, 1993.

Réu do Khmer Vermelho admite ter ordenado morte de crianças

"Eu tive de implementar a política do Partido Comunista", disse o ex-dirigente da prisão, uma antiga escola na periferia da capital, onde mais de 14 mil pessoas morreram, inclusive mulheres e crianças.

PHNOM PENH, Camboja (Reuters) - O ex-dirigente carcerário do regime cambojano do Khmer Vermelho disse na segunda-feira a um tribunal cambojano que filhos de detentos da prisão S-21 foram assassinados para que não buscassem vingar seus pais anos depois.
Kaing Guek Eav, o Duch, primeiro de cinco dirigentes a serem julgados pelas atrocidades do regime (1975-79) que matou 17 milhão de cambojanos, disse aceitar a responsabilidade pela morte das crianças, mas alegou estar apenas cumprindo ordens.
"Quando as crianças chegavam ao centro, eu dava as ordens para matá-las, porque temíamos que essas crianças fossem se vingar", disse Duch, de 66 anos, ao tribunal.
"Eu tive de implementar a política do Partido Comunista", disse o ex-dirigente da prisão, uma antiga escola na periferia da capital, onde mais de 14 mil pessoas morreram, inclusive mulheres e crianças.
Poucas pessoas sobreviveram àquela prisão. A maioria das vítimas foi torturada antes de ser retirada da capital, Phnom Penh, e levada para os campos de extermínio de Cheoung Ek.
Durante a audiência de segunda-feira, o promotor cambojano perguntou a Duch quem ordenava que os guardas matassem bebês batendo-os contra árvores. "Eu não ordenei tal crime, mas acredito que meus camaradas o fizeram", respondeu o réu.
Duch pode ser condenado à prisão perpétua pelo tribunal conjunto ONU-Camboja que julga os crimes do Khmer Vermelho. Ele é acusado de crimes de guerra, crimes contra a humanidade, tortura e homicídio.
É provável também que ele seja uma testemunha-chave nos futuros julgamentos de outros dirigentes considerados "mais responsáveis" pelas atrocidades daquela que foi uma das ditaduras mais brutais do século 20.
Os outros quatro réus negam envolvimento nos crimes, mas podem pegar penas de cinco anos a prisão perpétua. Eles são Nuon Chea, que era chamado de "Irmão Número 2", Khieu Samphan, que foi presidente do país, Ieng Sary, que foi chanceler, e sua esposa.
O líder máximo do regime, Pol Pot, morreu impune na selva do país, na década passada.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

A quem se deve o fim da ditadura militar no Brasil?

Certamente, não é muito edificante, nem algo muito positivo para a auto-estima de muitos políticos brasileiros, admitir o que está escrito acima. Mas é preciso dizê-lo, para o bem da honestidade intelectual e da verdade histórica.


A ditadura militar não chegou ao fim por causa de nenhuma mobilização popular, mas devido às contradições do próprio regime dos generais. Seu término não ocorreu como resultado de nenhuma sublevação das massas, mesmo que de forma ordeira e pacífica, contra o arbítrio: foi, isto sim, o produto da própria evolução do regime, dividido, desde o primeiro dia do golpe, em "duros" e "moderados". Foram os primeiros, a "linha-dura", representados sobretudo nos governos Costa e Silva (1967-1969) e Emílio Médici (1969-1974), os principais responsáveis - com a ajuda da esquerda armada - pelo prolongamento da ditadura por mais de vinte anos. Por sua vez, foram os "moderados", organizados em torno da Escola Superior de Guerra (ESG) e nos governos Castello Branco (1964-1967) e Ernesto Geisel (1974-1979), os principais responsáveis pela abertura política.

A idéia de devolver o poder aos civis e restabelecer a normalidade constitucional estava presente já no próprio movimento que derrubou o governo esquerdista e populista de João Goulart, em 1964. Naquele momento, é bom lembrar, a totalidade da direita brasileira apoiou o golpe, inclusive a Igreja, a grande imprensa e a classe média. Tratava-se de afastar um governo subversivo e corrupto, que arrastava o País rumo a alguma forma de regime ditatorial de esquerda, e depois retomar a vida. O presidente Castello Branco assumiu prometendo eleições presidenciais em 1965 e deixar o governo em 31 de janeiro de 1966. Após o AI-2, porém, que extinguiu os partidos políticos e anulou as eleições, prorrogando o mandato de Castello, a situação mudou. Em 1967, com a subida ao poder de Costa e Silva, a linha-dura se instala no poder, obrigando-o a decretar, em 1968, o AI-5, que inaugura o período mais sombrio da repressão político-militar. Foi preciso esperar até o aniquilamento da luta armada de esquerda e a ascensão de Ernesto Geisel, em 1974, para que o regime, combalido pela crise do "milagre" econômico que lhe dava sustentação, começasse a dar sinais de esgotamento.

Foi a partir daí que teve início, de fato, a chamada abertura política "lenta, gradual e segura", controlada e levada adiante, desde o primeiro momento, pelo governo. De forma negociada, institucional, planejada, sem qualquer participação popular. É assim que ocorrem os principais avanços democráticos do período: fim da censura (1976), revogação do AI-5 (1978), Anistia (1979), reforma eleitoral (1979), eleições diretas para governadores de estados (1982), até culminar, em 1984-85, na campanha das diretas-já e na eleição - indireta - de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Todos esses avanços, todas essas manifestações, só foram possíveis porque os militares as permitiram, em primeiro lugar. Se quisessem, poderiam ter mantido a censura e a repressão, assim como as eleições indiretas. Se não o fizeram, não foi porque estivessem acuados por nenhuma revolta popular generalizada, mas porque a redemocratização era um projeto há muito adiado, que já estava presente no próprio movimento de 64.

Quem contribuiu mais para o fim da ditadura no Brasil: os deputados Marcos Freire, Alencar Furtado e Lisâneas Maciel ou o general Ernesto Geisel, que em 1977 peitou e demitiu no ato o então Ministro do Exército, general Sylvio Frota, que queria manter a repressão e estava articulando um golpe?
Quem teve um papel mais relevante: Ulysses Guimarães ou o general Golbery do Couto e Silva?

A resistência de muitos setores em admitir isso se deve, em parte, ao fato de que a transição política, no Brasil, obedeceu a um paradoxo: foi o governo do presidente pessoalmente mais autoritário e centralizador do ciclo militar, o general Geisel, que enquadrou a linha-dura e deu início ao processo de abertura democrática. E isso não foi feito por meio de consulta popular, de forma democrática: foi com murro na mesa mesmo. O AI-5, por exemplo, passou a ser usado contra os próprios militares contrários à distensão política. Não foi o culto ecumênico na Praça da Sé pela morte de Vladimir Herzog, em 1975, mas o gesto autoritário do general Geisel, que levou à queda do comandante do II Exército e ao enquadramento da extrema direita militar. Por trás desse gesto, não estavam quaisquer considerações humanitárias por parte do general-presidente, mas única e simplesmente a defesa intransigente da hierarquia e da disciplina contra a anarquia militar. Ninguém quer admitir isso hoje em dia, pois seria reconhecer que a transição política, no Brasil, deveu-se mais a um conchavo de generais do que às "grandes manifestações populares", das quais todos se dizem os guias e mentores. Todos querem tirar uma casquinha da redemocratização.

Quando Geisel sai de cena e começa o governo do último presidente militar, o do general João Figueiredo (1979-1985), todas as condições estavam dadas para a redemocratização do País. Tanto que o governo Figueiredo, às voltas com a crise econômica, foi um anticlímax de desmoralização, terminando melancolicamente, pela porta dos fundos.

Mais importante ainda: o fim da ditadura militar no Brasil deve-se ao próprio caráter político do regime. Sendo um regime autoritário, que manteve pelo menos uma aparência de legalidade e de alternância política, não tendo criado nenhum partido político (pelo contrário: extinguiu todos, instituindo em seu lugar o bipartidarismo), o regime de 1964 pôde evoluir, embora de forma atabalhoada e não sem obstáculos, rumo à democracia parlamentar. Assim como evoluíram, de uma maneira ou de outra, todas as ditaduras militares sul-americanas. Em um regime totalitário, baseado no domínio do partido único e na repressão absoluta sobre todos os aspectos da sociedade, como o de Cuba ou o da ex-URSS, ao contrário, não existe essa possibilidade: ou ele desaparece, ou se perpetua. Os militares brasileiros, chilenos e uruguaios concordaram em sair de cena e em devolver o poder à sociedade. E Fidel e Raúl Castro, quando farão isso?

As denúncias de tortura, os discursos dos parlamentares da ala autêntica do MDB, as publicações da imprensa de oposição e as manifestações populares tiveram certamente um papel, e um papel importante, no processo de distensão política, e nada disso deve ser desprezado. Mas tudo isso está longe de ter sido o principal fator responsável pela restauração das liberdades democráticas. Mais determinante do que todos esses fatores foi, sem dúvida, o jogo político verificado no interior do próprio sistema repressivo criado a partir de 1964, com a cisão entre "duros" e "moderados". Mais ainda, foi o próprio caráter do regime militar - autoritário, e não totalitário - que trouxe consigo o germe de sua própria dissolução.

Repetindo, caso não tenha ficado claro: as manifestações da oposição legal foram importantes. Algumas delas, heróicas até. Mas não foram o fator decisivo. Não teria havido Anistia, nem diretas-já, nem qualquer outra manifestação de protesto, não tivesse sido o fim da censura e a revogação do AI-5. E isso só ocorreu devido à própria evolução do regime, de cima para baixo, e não de baixo para cima.

Certamente, não é muito edificante, nem algo muito positivo para a auto-estima de muitos políticos brasileiros, admitir o que está escrito acima. Mas é preciso dizê-lo, para o bem da honestidade intelectual e da verdade histórica. Nem o MDB, nem o movimento estudantil, nem os sindicatos, nem os intelectuais, nem a Igreja dita "progressista", nem o PT, nem, muito menos, a luta armada foram responsáveis pela redemocratização do Brasil. A democracia brasileira não tem pai nem dono. A História também não.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Imperador Fernando Lugo

Longe da imagem de asceta fabricada pela propaganda Bolivariana, o presidente do Paraguai Fernando Lugo ficou mais conhecido como “Bispo dos Pobres”.
Agora que o presidente paraguaio teve seu nome envolvido em uma série de escândalos, em que ficou provado que ele abusou de crianças, o tal Bispo dos Pobres também está sendo chamado de “Tibério Lugo”, em apologia ao imperador romano Tibério Cesar.

Exageros a parte e mantidas as devidas proporções, a oposição que ainda luta desesperadamente pela democracia do Paraguai, descreve Lugo como um imperador romano que a exemplo de Tibério, passa a maior parte do tempo em companhia de efebos, numa vida suntuosa que faria inveja ao próprio Tibério.
A oposição também afirma que entre os gastos do governo, está a instalação de uma sauna e uma piscina de hidromassagem numa casa que pertencia ao ex-ditador Alfredo Stroessner em uma ilha paradisíaca no Rio Paraguai.

Também é conhecido o gosto refinado deste religioso progressista por veículos suntuosos, não escondendo sua paixão pelas Motocicletas Harley Davidson.
De acordo com o senador Rogelio Benitez, Lugo estaria equipando um motel particular em Encarnacion.

domingo, 28 de junho de 2009

O homem não nasce bom e acaba corrompendo cada vez mais a sociedade a sociedade

Em meados do século passado, veio um golpe: a teoria da evolução das espécies, de Darwin, segundo a qual, na natureza, os seres vivos evoluíam pela disputa de uns com outros no jogo da sobrevivência do mais apto.

Uma das perguntas mais intratáveis da vida moderna é sobre se o indivíduo tem precedência sobre o ente coletivo, ou o contrário? Prevalecerá a preferência pessoal de cada um, ou a vocação altruísta de se sacrificar pelos demais? Nas sociedades primitivas, o problema era menos complicado porque a sobrevivência individual estava estreitamente ligada à do grupo. Mas por outro lado, o egoísmo grupal era implacável.Na era moderna, o indivíduo adquiriu autonomia, tornou-se cidadão votante e consumidor soberano. Os conflitos entre egoísmo e altruísmo foram complicados pelo anonimato, pela burocracia, e pelo gigantismo das sociedades. Fora do círculo íntimo da família nuclear, os laços de solidariedade tornaram-se indiretos e difusos.Mas há sempre algum altruísmo nas pessoas. Serão valores embutidos em nossa cultura por um legado religioso? Ou um impulso inato, recebido da natureza ao nascer? Sangue, e rios de tinta, ainda não responderam a essa pergunta. No século 18, J. J. Rousseau, invertendo muitos séculos da visão pessimista do homem naturalmente pecador e mau, embutida na tradição cristã, substituiu-a por uma idéia oposta: a do homem que nasce virtuoso, e degenera na sociedade. É o "bom selvagem", uma das contribuições iniciais da descoberta do Brasil ao pensamento europeu.A inversão de Rousseau teve consequências imprevistas. Se o problema residia na sociedade, bastaria ao homem transformá-la para voltar ao paraíso. Tentação tanto mais irresistível quanto estava acontecendo a transição do mundo pré-industrial para os horizontes inexplorados da Revolução Industrial. Durante três séculos, a Era da Razão vinha abalando os alicerces intelectuais da cosmovisão religiosa que sustentara a grande unidade espiritual da Idade Média. E a vitória do racionalismo humanista trazia no bojo o liberalismo político e econômico.Ao pular-se do pecado original para o "homem naturalmente bom num mundo mau", abriu-se uma grande florescência de socialismos que, em princípio, se propunham refazer a sociedade segundo uma utopia generosa. Em meados do século passado, veio um golpe: a teoria da evolução das espécies, de Darwin, segundo a qual, na natureza, os seres vivos evoluíam pela disputa de uns com outros no jogo da sobrevivência do mais apto. Essa idéia não foi logo entendida como ameaça pelos socialistas porque, como os seus coetâneos, tinham um profundo temor reverencial pela "ciência". Não demorariam, porém, a aparecer extrapolações como o "darwinismo social", e as idéias racistas supostamente "científicas". "Ao vencedor as batatas", como diria Machado de Assis.Ondas ideológicas se sucederam, sem se decidir de vez quais os fatores determinantes do comportamento humano: a natureza física, mais ou menos imutável, ou a sociedade e a cultura, amoldáveis em princípio pela ação política? Talvez o mais consistente tenha sido o paladino da "pátria do socialismo", Stalin, que, compreendendo o perigo das idéias, exterminou os hereges biólogos mendelianos, que duvidavam da verdade científica socialista, segundo a qual as características adquiridas pelo indivíduo se transmitiam por via hereditária.
Avanços recentes da genética trouxeram um complicador, ao sugerir que muitos traços comportamentais têm base física nos genes. Naturalmente, nenhum cientista respeitável chegou ao ponto de afirmar que o homem seja totalmente determinado pelo seu material genético. Mas certamente ficou enfraquecida a corrente externa que reduzia o indivíduo a meras determinações do contexto social.Não estou pretendendo debater a tese do "gene egoísta", conforme a polêmica expressão de Richard Dawkins. Nem se uma eficiente engenharia social é viável. Penso nessas questões porque me preocupo com o simplismo obtuso de inculpar-se a sociedade por todos os males possíveis e imagináveis: da seca do Nordeste à ignorância e às desigualdades. Carências há, sem dúvida.
Mas podem ser relativas, criadas pela insaciabilidade das veleidades humanas. Um IKung do deserto de Kalahari contenta-se com muito pouco, ao passo que um americano fica infeliz se tiver um pouco menos do que o vizinho do lado. E em São Paulo, presos condenados tocaram fogo nas celas porque queriam televisão a cabo e ar-condicionado!...Há século e meio, Marx achava que a riqueza resultava da exploração da mais-valia do trabalho proletário pela classe burguesa. A idéia não passou no "provão" da história.
As desigualdades nas sociedades modernas provêm sobretudo de que alguns conseguem maior produtividade, e acumulam mais, por conta do que produzem. Bill Gates começou na garagem de casa com talento e informação, e se fez multibilionário com suas inovações tecnológicas. O mistério do progresso está na inovação e na acumulação. A acumulação aumenta a desigualdade em relação ao que não acumulou. Há dois séculos passados, as diferenças de renda per capita entre os países ricos e os mais pobres eram de duas ou três vezes. O crescimento da produtividade dos atuais países industrializados, entre 1820 e 1913, foi quase sete vezes maior do que entre 1700 e 1820, e a renda real per capita cresceu três vezes no período.
Hoje, a diferença entre a Suíça e o Burundi, é de 390 vezes, e entre a média dos industrializados e a dos de mais baixa renda, é de 74 vezes. Possivelmente, o fator mais perverso terá sido o crescimento populacional descontrolado, que condenou os subdesenvolvidos a carregar água em peneira.Os governos já nos tungam uma proporção altíssima do PIB, superior à de qualquer país em desenvolvimento. No entanto, União, Estados e municípios estão reduzidos quase à indigência, e não cumprem direito suas funções sociais.
É preciso que se diga que a carga fiscal reinante em nosso manicômio tributário é exagerada para nosso nível de renda. A partir de certo patamar, tributar mais reduz a produtividade e a competitividade, piorando ao invés de melhorar as oportunidades de emprego.
O problema social brasileiro não se resolve gastando mais e sim gastando melhor.